quinta-feira, 19 de junho de 2025

DA Proclamação da República à Agenda 2030: Onde Estão Nossas Hegemonias Ideológicas?

Por Lauro Nunes, Jornalista

Lauro Nunes PMB 35/ES 2022

Hoje, sentado aqui em Vitória, Espírito Santo, a poucos passos daquelas ruas que viram nascer a República e florescer o abolicionismo em nossa terra, não consigo evitar a sensação de que vivemos um tempo de ecos. Eco do passado, sim, mas também eco de um futuro que clama por atenção. Recentemente, em um debate fervoroso com colegas e historiadores, mergulhamos nas complexidades da Primeira República, na figura ambígua de Marechal Deodoro da Fonseca e na força inegável de capixabas como Cleto Nunes Pereira e Muniz Freire. E a conversa me levou a uma reflexão que considero vital para os dias atuais.

Nós falávamos sobre a hegemonia ideológica partidária daquela época. Não no sentido dos partidos como os conhecemos hoje, mas como plataformas de idéias coesas que, apesar das disputas, convergiam para um projeto de país. O republicanismo, o federalismo, e acima de tudo, o abolicionismo, foram bandeiras erguidas com convicção. Cleto Nunes Pereira, o "pai" do abolicionismo capixaba, e Muniz Freire, seu parceiro na política e no seminal "A Província do Espírito Santo", representavam essa força. Eles não apenas discutiam; eles construíam e implementavam um novo Brasil e um novo Espírito Santo, alinhados a uma visão de progresso que passava, inescapavelmente, pela liberdade.

Deodoro, em sua autoridade quase despótica, acabou, de certa forma, "cedendo" a essa hegemonia ideológica que fervilhava nas províncias. Ele precisava de apoio. As forças do novo liberalismo republicano e os ventos do federalismo eram poderosos demais para serem ignorados, mesmo por um militar. Essa tensão, essa negociação entre o autoritarismo central e as autonomias ideológicas regionais, forjou as bases do Brasil que conhecemos. E a abolição da escravatura, mesmo com seus "poréns" históricos, foi um triunfo monumental dessa militância ideológica, desse projeto que se impôs.

Mas, e hoje? Essa é a pergunta que não me sai da cabeça. Recentemente, tive o privilégio de conversar com Jaqueline Lopes, vice presidente da Ordem dos Empresários e, para minha sorte e para o jornalismo capixaba, também proprietária e chefe de redação do Jornal o Centro. Eu a provoquei com essa mesma inquietação.

Jaqueline Lopes Empresária

"Jaqueline, se Deodoro representava uma espécie de figura centralizadora, quase autocrática, que precisou negociar com as forças ideológicas e liberais daquela época, quem ou o que seria o 'Deodoro' de hoje em relação à nossa busca por uma hegemonia ideológica? E quem representaria esse 'Partido Liberal' com um projeto claro?"

Ela, com sua habitual perspicácia, pensou por um momento, sorriu e respondeu, direcionando a resposta ao meu perfil:

"Lauro, sua pergunta, vinda de um ativista do Partido Verde e presidente de uma organização tão engajada com a agenda da ONU, é não apenas excelente, mas crucial para o momento que vivemos. Hoje, o 'Marechal Deodoro da Fonseca' talvez não seja uma pessoa ou um país isolado, mas sim a crise global, as emergências climáticas e os desafios sociais interconectados que impõem uma agenda inadiável. A 'autoridade' agora vem da urgência. E o 'Partido Liberal' autoritário, como você coloca, poderia ser os Estados Unidos e as grandes potências globais, que, embora com suas próprias agendas e disputas, são forçados a reconhecer a gravidade da situação e a liderar, ou pelo menos a participar, de um alinhamento global. Eles carregam uma influência econômica e política que, quer queiramos ou não, molda muitas dessas discussões."

Ela fez uma pausa, o olhar fixo, antes de continuar com uma força renovada: "Mas, Lauro, refletindo sobre sua pergunta, e como vice presidente da Ordem dos Empresários, estou sempre analisando os protocolos da Ordem dos Empresários. E vejo que esses Protocolos são, no nosso contexto, uma continuidade desse Manifesto Global. Assim como 'A Província do Espírito Santo' foi um veículo de idéias e um projeto para o estado no passado, a Ordem dos Empresários, com seus Protocolos de enfrentamento à pobreza, combate à miséria, enriquecimento das cidades e aumento da renda per capita familiar, representa essa nova hegemonia ideológica em ação, focada no desenvolvimento regional. Eles são nosso 'Manifesto Global' em nível prático, um guia para a ação empresarial e social que busca não apenas o lucro, mas a prosperidade compartilhada e sustentável."

"Por isso," Jaqueline prosseguiu, "a nova hegemonia ideológica que precisamos construir não é de um partido político tradicional. Ela é transversal, global. É a hegemonia da Agenda 2030 da ONU e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Isso é o que deveria ser o nosso propósito 'A Província do Espírito Santo' ampliado, um manifesto planetário. Reduzir a pobreza, combater a fome, garantir saúde, educação de qualidade, energia limpa, cidades sustentáveis, e, crucialmente, ação climática – esses são os novos ideais que deveriam unir 'Deodoros' e 'Muniz Freires' de hoje."

A fala de Jaqueline me fez refletir profundamente. Ela tem razão. A 'autoridade' hoje não emana de um líder militar, mas da ciência e da realidade nua e crua de um planeta que dá sinais de esgotamento. E se nos primórdios da República, a militância de Cleto Nunes Pereira e Muniz Freire foi fundamental para a abolição da escravatura, hoje, a militância deve ser pela abolição da insustentabilidade.

É um paradoxo triste constatar que, enquanto na Primeira República tínhamos oligarquias locais com projetos (ainda que imperfeitos) e ideologias claras para seus estados e para o país, hoje, muitas de nossas federações e até o próprio Brasil parecem carecer de uma hegemonia ideológica unificadora. A fragmentação partidária, o personalismo e a ausência de debates programáticos de longo prazo no Espírito Santo, por exemplo, contrastam brutalmente com a energia e o propósito que moviam Cleto e Muniz.

No entanto, o imperativo da Agenda 2030 nos oferece uma bússola. É hora de reconhecer que a questão ambiental e a sustentabilidade não são meros anexos em debates políticos, mas o novo eixo central de qualquer projeto de futuro. A hegemonia que precisamos construir agora é a do compromisso inegociável com a vida no planeta, com a solidariedade global e com a inovação que nos permita prosperar dentro dos limites da Terra.

O Espírito Santo, que já foi palco de uma militância ideológica transformadora, tem o potencial de ser novamente um laboratório. Nossos governantes, empresários, sociedade civil e cada cidadão precisam se ver como "partidários" dessa nova e urgente causa. Eu, como ativista do Partido Verde e a frente de uma ordem de empresários, vejo essa convergência como a única via. A questão não é mais quem somos como nação, mas como sobreviveremos e prosperaremos como espécie neste único lar que temos. A lição de Cleto Nunes Pereira e Muniz Freire ressoa: precisamos de idéias claras, de lideranças comprometidas e de uma vontade coletiva para forjar o futuro. O palco agora é global.


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