Vitória, Espírito Santo – Como presidente da Ordem dos Empresários e, antes de tudo, como jornalista e cidadão, tenho acompanhado de perto e com preocupação o cenário do setor supermercadista em nosso estado e no Brasil. Enquanto nós, consumidores, buscamos incansavelmente por preços competitivos nas gôndolas, percebo que há questões cruciais sobre as práticas empregatícias das grandes redes que precisam vir à tona. Falo dos baixos salários, da gestão de Recursos Humanos e, sim, da segurança dos produtos que chegam à nossa mesa.

Os dados gerais do setor mostram que há desafios significativos na atração e retenção de mão de obra. Salários que, para cargos essenciais como caixa de supermercado, apenas tangenciam a média do piso estabelecido por convenções coletivas, são uma realidade. Mas minha análise, e a da Ordem dos Empresários, vai além dos números. Ela aponta para problemas estruturais que afetam a todos.
O Paradoxo da Terceirização do RH e o Foco Exclusivo no Lucro
Um dos pontos que mais me chama a atenção, e que venho alertando, é a tendência das grandes redes de terceirizar seus departamentos de Recursos Humanos (RH). Essa estratégia, muitas vezes vendida como uma forma de otimizar custos, revela-se, na prática, um verdadeiro paradoxo. Ela gera despesas adicionais e uma rotatividade absurda.
"Quanto mais pessoas demito para 'cortar custos' via terceirização de RH, mais preciso contratar devido à alta rotatividade", afirmo. "Isso gera um custo exorbitante e uma competitividade prejudicial à própria empresa." A terceirização, neste contexto, leva a um RH desconectado, menos focado no desenvolvimento interno dos funcionários e mais preocupado em girar pessoal do que em reter talentos e construir um plano de carreira.
Minha crítica se estende à escassez de um propósito maior nessas empresas. As grandes redes de supermercados, inclusive as de grande porte no Brasil, não estão focadas no aumento da renda per capita familiar de seus colaboradores. Parece que se concentram simplesmente em pagar o salário mínimo – "por ser o que 'acabou'" – e em otimizar o lucro do negócio, sem mais nada. Essa visão impede que invistam genuinamente no desenvolvimento e bem-estar de suas equipes, e isso se reflete em remunerações que, francamente, não acompanham as necessidades da vida familiar.
A Necessidade Urgente de Ouvir e Agir: Por um RH Estratégico e Inclusivo
A Ordem dos Empresários tem reiterado a importância de que essas empresas voltem a ouvir seus próprios funcionários. A ausência de um diálogo interno efetivo impede a identificação de problemas e a implementação de soluções que poderiam melhorar tanto as condições de trabalho quanto a produtividade e a lealdade dos colaboradores.
Nossa visão propõe uma mudança de mentalidade preventiva: que as próprias empresas, principalmente as Sociedades Anônimas (S/A), incorporem um propósito mais amplo. Faltam, por exemplo, planos de participação acionária para, no mínimo, aumentar o sentimento de pertencimento e engajamento. Essa iniciativa estratégica, que vai muito além do lucro imediato, deve contemplar a valorização do capital humano como um ativo estratégico para a sustentabilidade do negócio e o desenvolvimento da sociedade.
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Supermercados faturaram R$ 695,7 bilhões em 2022 com contratações e novas unidades. Os dados foram divulgados pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) durante o Smart Market ABRAS 2023 |
Sei que organismos como o Sindicomerciários-ES e o Ministério Público do Trabalho (MPT-ES) são canais oficiais para denúncias, e atuam na defesa dos direitos trabalhistas. Contudo, minha sugestão como presidente da Ordem dos Empresários é clara: para além das otimizações financeiras, as grandes redes supermercadistas deveriam investir em um RH dentro de sua própria rede de negócios, um RH que gere mais valor, ouça seus funcionários e adote como propósito o aumento da renda per capita familiar.
Alerta Grave: Ameaça à Qualidade e Segurança Alimentar
Minha preocupação não se restringe apenas às relações trabalhistas. Quero fazer um grave alerta sobre a qualidade e a segurança dos produtos que encontramos nas prateleiras dos supermercados. Tenho notado um aumento de produtos vencidos nas prateleiras e, o que é ainda mais grave, muitas vezes reembalados.
Como consumidor, já vivi na pele essa situação preocupante. Hoje, confesso que tenho medo até de comprar linguiça no mercado, mesmo aquelas de boa marca e que sempre consumi com tranquilidade. Recentemente, passei mal duas vezes consumindo linguiça que, ao que tudo indica, foi reembalada e com uma nova data de validade. Isso é inaceitável. Essa prática, se confirmada, não só compromete a saúde de nós, consumidores, mas também mina a confiança nas marcas e em todo o setor. É uma questão ética e de fiscalização sanitária que exige atenção urgente.
A Contradição das Parcerias Públicas no Combate à Pobreza – E a Pergunta que se Cala
O que mais me espanta é uma contradição flagrante. Grandes prefeituras, como a de Vitória, ES, firmam parcerias com empresas do setor e chegam a oferecer empregos em suas secretarias de Recursos Humanos, sob a bandeira de "soluções de combate à pobreza".
"É chocante ver que há relatos de grandes marcas que chegam a vender quase um milhão de reais por dia, o que, sob essa perspectiva de remuneração mínima e negligência na segurança alimentar, se torna quase desumano pagar salários mínimos a seus colaboradores enquanto a saúde do consumidor é potencialmente colocada em risco, e ainda assim buscam apoio público para questões que deveriam resolver internamente", concluo. A incongruência entre o volume de faturamento e as práticas trabalhistas e de segurança alimentar levanta sérios questionamentos sobre a responsabilidade social dessas corporações.
Nesse cenário, a pergunta que se cala e que eu, como presidente da Ordem dos Empresários, faço é: Será que os vereadores da cidade de Vitória não estão fazendo compras em supermercados? A aparente falta de atenção e fiscalização por parte dos representantes eleitos diante de problemas tão sérios, que afetam diretamente a vida dos cidadãos e a integridade da economia local, é algo que merece ser profundamente questionado.