Da correria dos guetos à pressa dos CEOs, a urgência virou virtude. Enquanto a humanidade performa para parecer ocupada, terceiriza suas relações e empobrece sua criatividade.
A Correria como VirtudeA palavra “correria”, antes associada aos guetos e ao crime, agora é usada com orgulho por empresários apressados.
O traficante dizia estar na correria. O CEO também.
Ambos, em contextos distintos, descrevem a mesma coisa: um estado de urgência permanente, onde parar é perder.
A correria virou virtude. Quem não está correndo parece estar ficando para trás.
Mas o que se perde nessa pressa?
Tempo para pensar. Tempo para errar. Tempo para criar.
A tranquilidade virou suspeita. O ócio criativo foi substituído pelo sprint eterno.
E nessa corrida sem linha de chegada, a humanidade vai ficando pelo caminho.
O Paradoxo da Criatividade
Nunca tivemos tantos recursos tecnológicos e financeiros — e nunca fomos tão pobres em ideias originais.
A abundância nos acomodou. A escassez obrigava o cérebro a criar. Hoje, o excesso de ferramentas nos anestesia.
Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço, lembra que vivemos uma era de autoexploração: “O sujeito da performance é ao mesmo tempo vítima e algoz de si mesmo.”
A liberdade virou obrigação de render. O tempo virou métrica. E o erro virou ameaça à reputação.
A inovação exige erro, rascunho, tentativa. Mas quem vive para manter uma imagem de sucesso inabalável tem pavor de errar.
E sem erro, não há invenção. Há apenas otimização. Repetição. Performance.
Gestores de sucesso se multiplicam. Inventores de mundos desapareceram.
O Sucesso Solitário (na infância)
Meu filho ganhou um carrinho no Natal.
Mas não tem com quem brincar.
O brinquedo, que deveria ser ponte para a imaginação, repousa esquecido.
O melhor amigo dele é o celular — sempre disponível, sempre brilhante, mas incapaz de inventar mundos junto com ele.
Essa cena é mais do que doméstica: é social.
Se até a infância, que deveria ser o território da invenção, já se rendeu à solidão tecnológica, o que esperar da vida adulta?
O carrinho parado é o símbolo da criatividade estacionada.
O celular, o avatar da companhia artificial.
E assim, desde cedo, treinamos nossos filhos para o palco vazio do sucesso solitário.
A "Avatarização" da Realidade
O telefone toca. A mensagem chega. Mas o silêncio impera. O “visualizado e ignorado” virou status.
Hoje, não atender é mais elegante do que responder. O assistente diz que o chefe está em Dubai, em reunião, em trânsito — sempre em algum lugar onde a presença humana não alcança. A inacessibilidade virou símbolo de sucesso. Criamos avatares de nós mesmos: ocupados demais para serem humanos.
Vivemos a era da presença terceirizada. O sujeito não está, mas parece estar. E isso basta. A imagem substituiu o gesto. O parecer venceu o ser.
O Narcisismo Utilitário
Na lógica do novo empresário, o outro só importa se for um ativo. Se não trouxer lucro, networking ou influência, é descartado.
A empatia virou ineficiência. Jogar conversa fora é prejuízo. E, no entanto, é justamente aí — no tempo “perdido” — que nascem as conexões reais.
O sucesso contemporâneo está quase sempre ligado a algo que alimenta o ego ou explora pessoas.
Não é coincidência que os cases de ascensão meteórica envolvam plataformas que vendem atenção, dados, aparência. O empreendedor performa, mas não transforma. Ele escala, mas não inventa.
O Sucesso Solitário (na vida adulta)
Chegaram “lá”. Ou fingem que chegaram. Mas não têm com quem celebrar — apenas plateia.
O palco está cheio de luzes, mas vazio de propósito.
A verdadeira inovação não nasce da pressa, nem da vaidade. Ela nasce da escuta, da dúvida, da conversa sem agenda.
Atenda o telefone. Ouça uma história sem pressa.
Volte a ser humano. Porque é na humanidade — e não na performance robótica — que mora o futuro.


